QUERO ME ALEGRAR COM A PRÓXIMA COPA DO MUNDO, MAS NÃO ESTÁ SENDO FÁCIL
(ou: por favor me perdoe, edward said)
brazil, i'm devastated.
não sei em que algum ponto a gente pode se decepcionar TANTO com a política nacional, mas é exatamente o que está acontecendo sem parar há tipo… quase dez anos? a direita radical conseguiu um capital político odiosamente impactante e não foi no primeiro turno que lula foi presidente. na ponta do lápis, o bolsonarismo não passa de 30% do eleitorado (gente pirada que acha o governo dele legitimamente ok), mas a articulação de algumas esferas conservadoras é muito potente —especialmente na véspera da votação. e agora um assustador contingente de ex-empregados do bolsonaro agora está no legislativo, evitando que essa gente volte pro esgoto e suma da vida do grande público. o clima é de decepção, mas ainda temos o segundo turno.
por isso que nessa semana inevitavelmente decepcionante, pensei em algo que poderia trazer alegria. e nada como o melhor esporte do mundo. vinte e dois indivíduos atrás de uma bola que nos possibilita um mundo de possibilidades transcendentais. só quem viveu sabe o foi o atacante luisito suárez defender um gol com a mão, ser expulso e ainda comemorar o pênalti perdido do oponente — e o uruguai ainda conseguir ganhar o jogo POR PÊNALTIS em 2010. está tudo horrível, mas digamos que a lembrança que esse ano ainda tem copa do mundo torna as coisas mais suportáveis.
em menos de cinquenta dias, estaremos vivendo a copa do mundo. mas estou um pouco confusa sobre a TRANSCENDÊNCIA dessa edição. apesar de estar relativamente cedo, pelo que ando notando aqui no bairro, não estamos no espírito da copa. as bandeirinhas do brasil por aqui ainda são na maioria desses enormes arrombados dos bolsonaristas. um dos únicos que teve coragem de botar as bandeirinhas e pintar a calçada pra comemorar a copa do mundo, foi o dono da loja de construção aqui do bairro, o zé lino que está putaço e possivelmente arrependido de ter entrado no espírito da coisa. ele é nossa mariah carey, que ao invés de anunciar o natal anuncia a copa do mundo. no entanto, não param de buzinar e gritar “MITO!!!!” “BOLSONARO!!!!” porque estão achando que ele é um apoiador do desgraçado desse presidente. ele está legitimamente com raiva e até mandou o filho imprimir um cartaz pra avisar que aquilo tudo era pra copa do mundo, que não tinha nada a ver com política.
mas tudo indica ele vai ter que se acostumar com os relinchos mesmo.
o zé lino geralmente faz o combo pintar calçada + bandeirinhas sempre muito cedo, mas dessa vez ele cismou de fazer depois da eleição pra ver se o povo não pirava muito. mas obviamente deu errado. pra falar a verdade, em num ano normal do mundial, em abril já estaríamos com as calçadas pintadas, lojinhas abarrotadas de coisa verde-amarela, e quiçá uma música temática da leona vingativa.
em suma, um clima gostoso demais.
mas não é o que tá rolando.
se em 2018 o clima de copa do mundo já não foi dos mais empolgantes, 2022 tá mais desanimador ainda, pelo menos nas ruas. acho que essa indiferença tem a conexão com a política, mas também com o 7x1. ignorar a seleção talvez seja uma estratégia de mecanismo de enfrentamento pós-traumático. mesmo quase dez anos depois, acho que uma parte do brasileiro morreu ao ver a alemanha humilhando o maior campeão de futebol de um jeito brutal.
e veja bem, sou uma completa hater da seleção brasileira e é difícil pensar que aquilo existiu. por isso eventualmente assisto o copilado do jogo, pra ver a completa destruição da vontade de viver do galvão ao longo da partida. gol? da alemanha.
pra entender o desânimo, também penso na completa falta de carisma da seleção nacional. sim, carisma não ganha jogo, mas sempre foi uma característica da seleção brasileira. independente do lugar, todos queriam ver os jogadores brasileiros e eventualmente torcer para brasil. daí que o líder dessa seleção é o neymar, que é a pessoa mais antipática do mundo.
a ousadia era minimamente interessante/irreverente quando adolescente. depois só ficou a marra injustificada mesmo. além disso, tem toda a tem a elitização dos jogos da seleção, a captura da camiseta da CBF pela extrema-direita e claro, um futebol bem meia-boca nos últimos anos. o trabalho do tite melhorou muito depois da copa américa, com a chegada do raphinha e de outros rapazes que estavam fora da panelinha titerista (?).
(que me desperta o questionamento: até 2021, existia um scouting da seleção? se existia, o que eles faziam pra além de assistir o canal do rica perrone e do fred desimpedidos no youtube? pra ver como o trabalho da seleção é medíocre, eu penso no scouting da argentina, nessa era da scaloneta. para além das anteninhas em quem está fazendo um grande trabalho, independente do time/campeonato, simplesmente estão já está nacionalizando os nascidos no exterior, mas com ascendência argentina. romero, garnacho, soulé, palácios são estão inaugurando a scalonetita. esses jovens estão sendo argentinizados há um tempinho, despertando o ódio das seleções que eles poderiam atuar. enquanto isso a cbf moscou quase um ano pra notar a existência do raphinha.)
mas há um outro possivel porquê dessa morte do nosso estado anímico pra não se empolgar com o maior evento esportivo do mundo. e eu vou chutar que o motivo dessa castração da libido coletiva foi a escolha da sede: o catar é um lugar bem esquisito.
a escolha do catar como sede feita pela FIFA foi um alerta de que a destruição do planeta não vai ser o único legado do uso de combustíveis fósseis. esse vai ser um dos mundiais mais sem graça da história. e por pior que sejamos enquanto humanidade, eu não acho que merecemos. e muito menos ele, um anjo na terra, lionel messi.
o messi merecia muito mais do que jogar a última dele copa do mundo em um país que parece um enorme shopping center. eu queria pedir desculpas ao edward said mas não dá pra engolir o catar como sede do maior esporte que existe.
o edward said fez o que na internet a gente chamaria de um EXPOSED. ele mostrou toda a SAFADEZA IMPERIALISTA da criação de uma noção de “oriente” pra poder subjugar tudo que não estivesse no centro, que por acaso, era a europa. por isso nós não conseguimos olhar pra qualquer comunidade que não seja ocidental/ocidentalizada num pé de igualdade. sempre vão ser muito diferentes, e geralmente, inferiores, exóticos e bárbaros. o que explica séculos da história ocidental pautada em espoliação em uma escala global e o motivo de existir um louvre e um british museum, que não são museus com um acervo que representa a sua cultura, mas sim um inventário cultural de escala mundial totalmente baseado em CRIMES COLONIAIS.
mas não tem teoria social que me faça aceitar o catar ou achar esse lugar menos esquisito.
acho que estamos vivendo a copa do mundo de 94 da nossa geração, nos estados unidos. um país que nem sabe NOMEAR o esporte como se deve. não sei se o povo do catar gosta de futebol…porque eu não sei nada sobre o catar e muito menos sobre as pessoas do catar. porque, o pouco que sei de lá, é que a maioria das pessoas são estrangeiras, que faz ficar tudo mais esquisito ainda.
a coisa que liga o catar ao futebol é a bufunfa — o que foi suficiente pra careca maldito da FIFA, mas não para o POVO.
pra ser honesta, fico até surpresa de existir um time nacional do catar.
a artificalidade do catar me mata.
tem um quê da decoração de uma barbearia ou de um rock bar que vende hamburguer caro. é uma enorme maquete numa sala de convenções. e isso não é crítica ao mundo árabe, o marrocos, por exemplo bafora demais. eles amam futebol e lá seria um lugar massa demais pra fazer essa copa (o maradona dançando cumbia em uma visita me pega demais, sempre). agora, quem é o povo catari? eles gostam de futebol? não dá pra saber!!!
gostar da copa não é facil. não é a mesma coisa de gostar do keanu reeves que parece ser a pessoa mais legal do mundo. gostar de um campeonato organizado pela FIFA, um bando de ladrões, abusadores, mafiosos, patrocinado por megacorporações igualmente horríveis é tenso. saber que existem todas as violações de direitos contra minorias, a violência e exploração da mão de obra pra poder construir esse evento. é um constante exercício de separar a obra do artista num nível absurdo e que a gente eventualmente acaba fazendo pois QUEREMOS VER FUTEBOL!!!!! (obs.: achei o gasparzinho catari muito fofo, e sim, ele já conseguiu ser a arma ideológica e o softpower que ele foi criado pra ser pra esconder as zilhões de violações aos direitos humanos envolvido na construção da copa.)
mas pior que parecer com uma maquete ou um projeto de engenharia experimental, pior do que o país em si, são as regras, que são muito restritas. e que obviamente não tem nada a ver com o futebol e muito menos com os torcedores, cujas ações são pautadas no completo caos e irracionalidade. não vão ter dois russos se matando de porrada pra um mexicano parar a briga com um TRANQUILOWSKY. não vai ter torcida copando qualquer pra poder fazer algazarra e infernizar todo mundo com milhões de cânticos. muito menos um bando de farofeiro vivendo que nem sem teto pra acompanhar os jogos. na verdade, nem álcool vai ter direito, já que a venda é muito restrita.
sem contar zero chances de um fan-fest com a energia de uma enorme micareta. a sorte é que o público é de classe média alta, porque se fossem as barras populares, iam destruir o país todo. de qualquer jeito, estou curiosa pra saber quantos argentinos serão presos por desrespeitar todas as regras possíveis — porque se tem um povo suficientemente demente pra desafiar todas as regras com a maior petulância, são eles. é só ver o que o plantel do boca jrs aprontou no mineirão no ano passado.
no final, vou curtir a copa do mesmo jeito como se fosse em um lugar *de verdade*. a situação está tão sinistra que estou ansiosa até pra um canadá e croácia em um estádio que parece uma maquete gigante no meio do deserto.
porque é tudo que temos.
é tudo que nos restou.