NARRATIVAS FAMILIARES #2
(ou: o triângulo amoroso entre meu pai, minha mãe e... meu tio; minha prima causando no sul argentino; a parcela família que se acha portuguesa por conta de uma avó do meu avô, rs)
um dos grandes traumas da minha vida é saber que o meu pai furou o olho do meu tio.
minha mãe namorava o meu tio quando eles ficaram juntos. quem me contou isso foram meus pais em uma conversa franca e honesta? claro que não, foi a minha abuela lita. eu amo que a fofoca é uma grande atividade da família e todo mundo puxou a língua sem limites e irresponsável da minha avó, mas apesar de todo mundo ser fofoqueiro, ninguém está ao nível dela. pra ela, traumatizar os filhos é pouco: ela quer a alma dos netos, dos enteados e de quem mais estiver disponível.
ela não só saboreia compartilhar essas coisas pra humilhar os meus pais e o pobre corno do meu tio, mas simplesmente incluir pessoas que não tem nada com essa história (ao menos diretamente): minha prima e eu. nós recebemos a notícia juntas quando a garota era uma completa pirralha e eu não tinha mais de quinze anos. o que fazer com essa informação, sabe? é pra ficar especulando cenários imaginários? que minha prima e eu em alguma dimensão somos irmãs? que o meu tio poderia ter sido pai de um filho da minha mãe? ou eu teria nascido do ventre de outra mulher? que meu tio odeia o nosso núcleo familiar?
qual a finalidade de jogar uma informação assim só pra causar estranheza e expor a intimidade alheia sem nenhum filtro de forma totalmente gratuita?
só deus e minha avó que sabem a resposta.
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falando em cenários imaginários, tenho uma prima que sempre terei um bocado de ressentimento porque me custou um belo posto de trabalho na juventude — e quiçá um presente em que eu seria uma capitalista de merda e falaria jargões de trambiqueiros empresariais como lidar com a complexidade e mindset como se fosse algo razoável.
é um hobby pessoal culpar os outros pelos meus fracassos e vidas que não tive, mas eu realmente tenho um rancorzinho dessa minha prima e acho que o estágio do feminismo contemporâneo me possibilita fazer uma crítica ao seu comportamento. sabe o porquê? pois ela prejudicou mulheres — no caso a mim, especificamente.
ela é a mais velha dos primos e quando se formou no ensino médio, foi trabalhar numa hospedaria/pousada que um tio-avô é proprietário em el chaltén, no sul argentino. o serviço é de guia turístico, tem que saber um inglês intermediário, ajudar os turistas e tudo mais.
minha prima foi trabalhar e simplesmente se engraçou com vários motoristas de ônibus que faziam os percursos turísticos até perito moreno, que é a principal atração do local. a comoção da minha prima causou tão significativa que houveram brigas, demissões e um caos completo no sistema de transporte dos gringos.
eu admiro todo esse caos, acho engraçadíssimo de verdade. ela foi absolutamente lendária, mas infelizmente foi uma porta que se fechou para o restante dos oito netos da minha avó. dona lita ficou super envergonhada e falou que nunca mais ia deixar ninguém ir pra lá, que ela não queria passar por esse constrangimento novamente.
minha prima? com o dinheiro de apenas uma temporada, comprou carro, um terreno, enquanto o restante dos netos só tomamos no cu. minha prima contribuiu para que mulheres não pudessem ser financeiramente empoderadas pelo seu comportamento hilário, porém um tanto quanto polêmico em uma cidadezinha de 1500 pessoas. risos.
a minha maior raiva? como você escolhe el chaltén pra ir causar, quando existe buenos aires enquanto a maior cidade do mundo pra empreender os maiores trabalhos putíferos possíveis? it's a man's man's man's world, prima. te observo, admiro e respeito toda a causação que você foi capaz de fazer em uma comunidade praticamente isolada do mundo no mundo, mas infelizmente isso foi um fechar de portas de oportunidades pro restante da família. nós somos POBRES, hermana, alguém de classe média alta poderia se dar ao luxo e virar só um causo de final de ano, mas a gente é um bando de FODIDO, tá ligado?
isso aconteceu há mais de dez anos e outras primas/primos já tentaram ir pra trabalhar e minha avó sempre arma um completo escândalo falando que teria que ir junto e monitorar todo mundo porque prometeu pro irmão que não ia existir mais confusão. e infelizmente isso não é apenas uma promessa, mas uma ameaça, sabe? como ninguém vai receber um adicional para aguentar minha avó, simplesmente, todo mundo desiste.
de vez em quando fico pensando com meus botões o que teria acontecido se eu tivesse ido trabalhar em alguma temporada e voltasse com fucking dólares na carteira? seria um empresária sem coração, uma investidora de cripto que teria perdido o dinheiro em nft? uma coach? trabalharia em uma startup de merda? faria posts ridículos no linkedin? meu coração estaria absolutamente corrompido pelo dinheiro e por assistir palestras cafonas? moraria em uma casa cheia de blindex?
é um leque de possibilidades que eu nunca vou acessar por culpa da minha prima e peculiar tesão dela em motoristas de ônibus e escândalos públicos.
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a minha família da parte materna, é uma gente que saiu do interior de minas gerais e se tornou classe média alta (infelizmente, o ramo específico do meu ramo familiar não foi contemplado; digo com toda a sinceridade que meu sonho era não ter conhecido o cotidiano do transporte público e não saber o que é um plano de telefonia móvel pré-pago, como alguns primos de segundo grau). felizmente, a distância geográfica (e, sobretudo, a social) nos garante que em geral que nunca nos vejamos a não ser em velórios. mas eu sinto um enorme guilty pleasure e é um pouco legal acompanhá-los, ainda que virtualmente.
um dos grandes pilares dessa galera é falar que a família é portuguesa, sabe? pra abrilhantar a genealogia, um gostinho de supremacia europeia pra se distinguir da gentalha. mas a realidade é bem menos emocionante: a única portuguesa é a avó do meu avô.
e só.
honestamente, me sinto mais próxima e parenta de um lêmure do que de qualquer ser humano nascido em portugal há 150 anos atrás. mas apesar de ridícula, é uma escolha válida eles se sentirem portugueses. daí alguém foi pra portugal e pra surpresa de ninguém (além deles) os “parentes” dessa minha TRISAVÓ botaram essa gente pra correr. ficaram com pavor de estarem se aproximando pra conseguir documentação pra viver lá.
infelizmente isso não impediu que em um cafona álbum de fotografias digital de um encontro da família houvesse um brasão de portugal na capa, provando que o bullying e xenofobia não são instrumentos pedagógicos eficientes (para a minha mais sincera infelicidade).