NARRATIVAS FAMILIARES #4
(ou: uma humilde compilação de anedotas de vizinhanças que fiz e faço parte)
não me dedicava a pensar tanto na categoria vizinhos™ desde alguma das reprises malucas do chaves no sbt. chaves não só é ápice do humor latino-americano ou uma grande fonte de sustento do sílvio santos por décadas, mas o retrato de uma época em que a vizinhança era de fato muito mais presente no nosso cotidiano. me desculpe por ser capturada de uma forma tão barata pela nostalgia, mas considero os vizinhos como parte da nossa família, tanto para o bem quanto para o mal. por isso, compartilho algumas memórias.
um vizinho involuntário
quero contar a história de um vizinho que tive de forma imprevista quando fui moradora de uma república estudantil no interior de minas gerais. vamos chamar esse senhor de climério.
climério chegou na nossa vida universitária juntamente do contrato que herdamos de uma turminha meio tilelê que habitava aquela residência. era uma casa espaçosa e antiga, desgastada pela sede de lucro do dono e pela incompetência da imobiliária. mas havia também algo relacionado à própria personalidade e mística da casa. você podia consertar algo e por mecanismo de compensação cármico, logo outra coisa estragava. mas o aluguel era barato e havia uma máquina de lavar. e ser barato, existir uma máquina de lavar com capacidade de 11kg e um varal extenso é tudo que um estudante em uma cidade universitária deveria se importar.
a informação da existência do climério foi dada tardiamente, como deveria ser. de fato, não dá pra colocar num anúncio do facebook que juntamente do contrato de uma casa um homem de meia idade está incluído brinde. o climério era um senhor que parecia um desenho animado, no sentido de aparentemente andar com a mesmas roupas sempre e um oclinhos que lembrava os do chicken little. jamais foi mal-educado conosco e tudo mais, mas apesar de me identificar bastante com um senhor misantropo que possivelmente vai ser achado morto depois de algumas semanas em casa, ele era um pouquinho sinistro mesmo.
ele morava no primeiro do andar, enquanto a república ocupava o segundo e o terraço. o único vestígio do climério nesse terraço era um quartinho de bagunça que ele nos orientou de modo bem veemente a não colocar as nossas patinhas nas coisas dele (e que obedecemos prontamente, porque era um cômodo digno de um filme de terror).
o climério era uma pessoa muito discreta, mas havia uma energia nele de quem viu muitas coisas nessa vida e se falasse tudo que ele presenciou, seria vítima de uma queima de arquivo. em suma, um homem misterioso. uma espécie de rick deckard da zona da mata mineira.
e mesmo sendo o nosso vizinho, e praticamente um membro compulsório da nossa república, mal o encontrávamos por aí. mas não pense que ele não era uma presença marcante.
ele tinha uma espécie de quintal (?) que fedia para um caralho e que muito convenientemente (pra ele) o cheiro ia pra todos os nossos quartos. na moralzinha mesmo? era revoltante. o fedor em geral oscilava, mas não vou fingir que não tive vontade em várias ocasiões de jogar um galão de gasolina e tacar um fósforo pela janela pra acabar com aquela perturbação olfativa.
o pior de tudo é que jamais saberemos o que o climério aprontava pra feder tanto assim. não podia ser só a displicência com a higiene ambiental e dos seu(s) cachorro(s)!!! ele era um naturalista fazendo experiências com cadáveres que nem o victor frankestein da mary shelley? era praticante de ocultismo e estava tentando ressuscitar os mortos em rituais depois de ler os livros do lovecraft, em especial o largo contingente de universitários que decidiram getulhar? ele estava infiltrado em algum esquema de cobrança de dívidas do jogo do bicho e aquele quintal era na verdade, uma vala comum? ou ele somente era um serial killer descompromissado com a ocultação de evidências? jamais saberemos.
além da falta de compromisso com a salubridade ambiental, o climério possuía um excesso de apego material pra qualquer tipo de sucata. ele era mecânico, portanto faz totalmente sentido que ele goste de tanta porcaria, pelo potencial de ser útil algum dia. mas era muita coisa. ele facilmente poderia participar de um algum episódio de hoarders em que descobriríamos vários traumas pessoais e familiares.
os momentos de convívio com o climério se limitavam à gestão dos problemas da casa, em especial do abastecimento de água, que era feito por um poço. apesar de sermos muito agradecidos por não precisar pagar pela água e dar calote na taxa de esgoto, se a caixa d’água ficasse vazia, o motor que bombeava a água do poço pra caixa d’água, falhava. e pra consertar esse problema, era necessário descer (!!!) no poço, que não era objetivamente um momento aprazível.
dava pra perceber no climério a frustração de ter que confiar o seu acesso à água a um bando de universitário imbecil. eu ficaria putaça também. imagina que tomar um banho dependesse diretamente de um bando de bocó que não poderia deixar a caixa d’água esvaziar? talvez o fedor no quintal fosse uma forma de punição coletiva por eventualmente estarmos sem água com uma frequência talvez excessiva.
mas é claro que o problema era mais complexo do que um tanto de gente lesada esquecendo de encher a caixa d’água. o motor já deveria ter sido trocado há tempos, mas, né, ficava sempre pra depois. ainda mais que o problema passava pela imobiliária, a instituição mais infame da nossa realidade social. foi uma árdua batalha burocrática para que a imobiliária pudesse fazer o mínimo, que era trocar a porra do motor pra que ninguém, sei lá, caísse de uma altura de uns cinco metros? que ninguém se afogasse num poço? estamos lidando com vidas aqui!!
depois de alguns dramalhões e ameaças à imobiliária, o motor foi trocado e felizmente o poço deixou de ser um problema comum. mas como todos nós somos personagens kafkianos, a burocracia novamente se fez presente pra poder relevar mais segredos sobre a nossa pequena comunidade que habitava os andares daquela casa.
e pudemos conhecer outra faceta da psiquê do climério. na verdade, a sua história de origem. o mito de fundação climeriano. o momento que climério deixou de ser uma pessoa e se tornou uma ideia: um homem que não era proprietário, mas que foi condenado a viver no primeiro andar junto a um bando de jovens idiotas. um sísifo do interior mineiro fadado a viver com universitários barulhentos que são trocados de forma subsequente.
e isso aconteceu no momento da cobrança do iptu. como pobres universitários fodidos e desavisados, pensamos que eventualmente o climério estaria nessa partilha. a proposta de dividir o iptu foi um grande fracasso porque o climério falou que ele nunca havia pago e jamais pagaria nenhum iptu daquela casa. risos. não me recordo com quem foi a conversa, mas logo ele esclareceu que a família dele era dona da casa (epa!) e que foi perdida num jogo de azar (vish!!!).
haviam muitas questões a partir dessas revelações: porque ele ainda morava lá? o que ele sabia pra não pagar sequer aluguel nem o iptu? será que ele pagava aluguel também? queríamos respostas, mas infelizmente não recebemos.
esse fato consolidou no meu imaginário o climério enquanto um personagem cheio de mistérios e dono de uma sabedoria que valeriam um study character na vibe de um the conversation (1974) do coppola. mas o climério não era uma pessoa totalmente amargurada, apesar de um humor um pouco sádico. de vez em quando ele soltava alguma coisa que havia acontecido na casa pra se divertir um pouco com a nossa cara. a maior das revelações foi que seu pai havia morrido em um dos quartos (felizmente não era o meu!!!).
após dez anos, a república com os remanescentes originais da minha época se desfez. mas veja só, eu jurava de pés juntos que a cada ciclo de universitários o climério possivelmente organizava uma grande festa, uma celebração de dias com oferendas aos deuses pra encerrar esse ciclo e pra que os novos moradores fossem gente minimamente civilizada e silenciosa. mas recebi uma notícia que me destruiu. o climério que sempre andou por aí meio desconfiado, meio indecifrável, chorou (!!!!) ao ser avisado que o contrato tinha sido passado pra frente.
por isso, aproveito esse espaço virtual pra escrever uma nota pessoal para o climério, mesmo que ele jamais terá acesso a esse post. primeiramente, queria me desculpar se essa não é a homenagem mais correta e que foi meio paia mesmo assumir que ele talvez fosse um serial killer. mas obrigada por fazer parte das nossas vidas enquanto alguém com uma personalidade muito fascinante e dona de tantos segredos. espero que a nova leva de universitários não o infernize e que ele aproveite bastante o momento de revelação da morte do seu pai pra assustar alguém que esteja morando naquele quarto! sem contar que o climério um dia possa se vingar do proprietário pau no cu que tomou a casa do pai (mas sem precisar cometer nenhum crime pra isso).
uma vizinha que eu não sabia que existia
eu lembrei dessa ~vizinha~ por conta do show comemorativo de 15 anos que o otto vai fazer no rio de janeiro pro certa manhã acordei de sonhos intranquilos. não é só um grande álbum dos anos 2010, um magnífico uso artístico da profunda melancolia e um grande relato de experienciar um profundo infortúnio pessoal a partir da separação da alessandra negrini. o sentimento que pairava por aí era que esse álbum foi meio que um instant classic da música brasileira. porque naquela época o álbum já era muito bom, sabe? sequer era necessária muita futurologia pra saber que também envelheceria que nem um dos mais nobres vinhos.
e pra mim foi uma oportunidade de ir ao primeiro show solo do otto, já que eu apenas havia ido em festivais. o show foi num espaço pequeno, que infelizmente nem existe mais, e devo ter pago um ingresso ridiculamente barato – que também não existe mais esse tipo de valor pra curtir um show (para o meu completo desgosto).
estava animada porque eu amo a discografia do otto, mas nada me preparou pra lidar com sex appeal do qual o otto & banda emanavam. eu estava praticamente na grade com alguns amigos e fomos envolvidos passivamente na briga de algumas mulheres que estavam querendo ficar mais perto do otto pra, sei lá, consolar o coitado da separação, descolar algumas substâncias mágicas gratuitamente, ir pra um hotel tomar banho de hidromassagem. qué sé yo.
o pior de tudo que foi um arranca-rabo realmente feio. e olha que eu estudei numa escola pública que possuía uma grande briga a cada semana. e mais que isso: o show do otto era um ambiente repleto de uma galera meio indie. um amontoado de gente vegana com aquela carinha de semi-anêmica e deficiência de vitamina b12. como diria a galera da extrema-direita hoje, tudo sojado. metade do público vestido que nem o rivers cuomo, metade que nem o mano chao. gente que possivelmente apanhava na escola, sabe? gente totalmente drogada em situação de incapacidade de querer (e poder!) revidar QUALQUER TIPO DE VIOLENCIA.
bom, é óbvio que não foi muito interessante tentar separar e tranquilizar duas mulheres bêbadas, eventualmente levar uns tapas e empurrões também, mas no final os seguranças tiveram de intervir e tiraram as duas de lá. ficamos aliviados, porque aí sim pudemos curtir o show.
eu precisava voltar logo porque fazia cursinho na época e se não me engano ia ter alguma atividade, tipo simulado, um aulão no domingo de manhã. eu até pensei em ir virada, porque rolou aquele clássico dogão e um pouco de conversa fiada, mas ainda queria ter um pouco de dignidade pro próximo dia. eu estava fedendo e precisava tomar um banho e se pá, até mesmo umas horinhas de sono. nessa época as pessoas ainda podiam fumar em lugares fechados. era uma época muito engraçada em que a área de fumantes era basicamente o lugar que você quisesse!!! o grande problema era que mesmo se você fumasse ou não, quando você saía dos lugares parecia que você tinha rolado em um cinzeiro gigante como se fosse um neandertal, sabe? o cheiro no cabelo era terrível.
um pesadelo pra gente que é minimamente asseada.
essa foi também foi a época que o sistema de transporte em belo horizonte começou a degringolar. a passagem sempre foi cara, os itinerários sempre foram ridículos, mas nessa época era comum que os ônibus ainda passassem de madrugada, até umas três da manhã mais ou menos. só que nessa época começaram os cortes, os motoristas estavam de saco cheio e sem contar os que era filhas da puta mesmo. e se tornou muito frequente a acontecer deles fizessem a coisa mais cruel para o usuário de coletivos: passar direto nos pontos sem parar pros passageiros. o que rolou comigo aquela noite.
sem opções de mobilidade, junto com mais dois coitados que nem eu, enfiamos as mãos no bolso pra ver se a gente ia conseguir rachar um táxi. caminhando pro ponto de táxi encontramos uma das desvairadas que estavam na briga perto de uma esquina e fomos reconhecidos. informamos prontamente que estamos indo embora, mas a menina simplesmente perguntou onde nós morávamos e ninguém segurou a língua (estávamos todos tontos da gin tônica mais vagabunda de belo horizonte inteira). demos a letra e ela disse que morava no nosso mesmo bairro também e perguntou se poderia ir conosco. ninguém acreditou, mas naquele momento a necessidade de economizar falou alto. deixamos a garota ir no táxi conosco. pra falar que não somos cuzões e mercenários ela estava completamente destruída pela bibida e pela briga. e meio que se a gente a deixasse a consciência ia pesar também. nisso, pescamos um táxi e a gente ficou trocando ideia com o taxista e tudo mais, falando mal da bhtrans, xingando os motoristas de ônibus e contamos a história da tal guria. montamos uma logística pra ordem de cada um ficar na casa (era basicamente um carpool improvisado e analógico). eu seria a última e ela, a penúltima.
antes de chegar na casa dela, ela avisou que não tinha nada de dinheiro, mas ia buscar dentro da casa quando chegasse. o taxista ficou um pouco incomodado, acho que soltar que ela estava numa briga não ajudou muito na reputação dela. mas como ela estava em um estado deplorável, eu falei que não tinha problema que eu tinha o dinheiro pra cobrir se fosse necessário (eu não tinha, mas eu realmente queria chegar logo em casa).
quando chegamos, ela foi buscar o dinheiro e demorou muito. eu falei que estava tudo bem, tinha o dinheiro pra cobrir etc, que a mina era meio esquisita mesmo. mas você sabe como são os taxistas. eles levam qualquer coisa muito a sério. não sei se é essa coisa de trabalhar de madrugada e precisar de uma atitude meio faca na caveira ou dele ter possivelmente simpatizado mesmo com a nossa turminha.
mas o taxista foi no portão da casa da moça e armou um grande escândalo em plena madrugada. eu sei que todo taxista é meio maluco, mesmo os bem-intencionados, mas ele ganhou no grito e voltou com o dinheiro.
fiquei aliviada, porque possivelmente eu teria de entrar em casa pra pegar o dinheiro que eu menti que tinha — e não estava muito no clima de ter um taxista chutando o portão da minha casa. a única coisa que eu pensei no meio da confusão é que ele seria um excelente oficial de justiça, mas entendo que os talentos deles estavam sendo muito bem usados como taxista das madrugadas. good for him.
e a lição sobre vizinhas de bairro que você conheceu no meio de uma briga? evitem. o comunitarismo nem sempre precisa vencer (mas ao menos uma mulher foi levada em segurança para casa).
o amor nos tempos da dengue
apesar da epidemia de dengue estar com tudo, o grande hit da dengue na minha vida foi em 2016. é realmente muito ruim. foram duas semanas na completa penúria imunológica. mas apesar de lembrar desse surto de dengue por ter basicamente destruído as minhas férias, e pensando no presente comeback da dengue em território brasileiro e no exterior, vou contar uma historinha que aconteceu nas minhas cercanias.
a onda de dengue em 2016 foi um horror, especialmente quando possivelmente todas as pessoas do meu bairro foram contaminadas. havia um córrego que estava passando por uma reforma e a época de chuvas foi a querosene na fogueira pro meu bairro virar o roteador de dengue em belo horizonte. nesses meses em que a nossa vizinhança se tornou uma incubadora local do aedes aegypt, meu pai conseguiu arrumar um pequeno alvoroço com o fiscal da prefeitura incumbido de tentar restaurar a ordem sanitária do bairro. mas, mais do que isso, meu pai provou que a fofoca é o último fio que sustenta a vida comunitária em uma realidade cada vez mais fragmentada.
o bairro que eu vivi a vida inteira, está cada dia se tornando uma família disfuncional, daquelas que apenas se encontram em velórios. os últimos eventos que levaram a vizinhança a se conectar de uma forma muito verdadeira foram pela desgraça: dois aviões de pequeno porte caindo na mesma rua em um intervalo de pouco mais de seis meses entre acidentes. nem vou comentar do boom do mercado imobiliário e a chegada de grandes redes de supermercados, farmácias e academias. a única barreira segurando a chegada da classe média alta por lá é que o bairro está muito perto da BR-040, portanto, é uma excelente localização para os ladrões de carros possam sumir por aí. eles jamais serão reconhecidos pela sua atuação em deixar que classe média baixa possa viver em paz, mas os grandes heróis em geral vivem na obscuridade mesmo.
além das eventuais tragédias que nos conecta aos demais, a grande instituição que segura a onda do sentimento comunitário desse bairro é a fofoca. e meu pai é um dos grandes agentes da indiscrição intrabarrial.
eu entendo o motivo do meu pai ser fofoqueiro, porque igual a mim, as fofocas caem no colo dele de uma forma tão gratuita que simplesmente não dá pra fingir que não está acontecendo nada. sem contar que existe todo um tratado do fofoqueiro que professa que a informação foi feita pra circular mesmo. um feeling inconsciente de que conhecimento que é compartilhado, é conhecimento que é ampliado… sharing is caring!!!!
nessa época, ele descobriu um grande babado aqui da rua: o motivo da separação de um vizinho que havia voltado pra casa, já que a esposa ficou com a residência do casal. foi nessa mesma época que rolou uma situação um pouco constrangedora na casa desse vizinho. a polícia foi chamada porque houve uma briga do recém-separado com a própria irmã. uma completa baixaria que não é do nível de uma baixaria legal, tipo levar toda essa situação ao finado casos de família (r.i.p), mas essa baixaria que tipo da gente ficar preocupado pela integridade física dos envolvidos.
concomitantemente ao processo de separação do nosso vizinho e dos conflitos com sua irmã, foi um marcante mês de combate a dengue na rua, porque era todo dia um bendito fiscal da prefeitura fazendo controle sanitário por essas redondezas. eu nunca havia visto um agente da saúde sanitária tão comprometido com o combate à dengue como foi naquele mês, mas logo descobrimos que a preocupação não era restrita à epidemia. o que o meu pai descobriu foi que recém divorciado estava tendo um relacionamento com o fiscal da dengue (algo posteriormente confirmado pela própria irmã desse vizinho, que estava longe de ser a pessoa mais tolerante do mundo e evidentemente fez isso como vingança pelo barraco na rua).
meu pai sempre acordou de madrugada pra caminhar, comprar pão e andar com os cachorros, e notou (foi espionar) que antes do vizinho sair do trabalho ele encontrava o fiscal e iam pra um canto da rua que era quase um ponto cego do resto da civilização e iam se pegar. acho que meu pai conseguiu segurar a língua por uns dias, mas de repente a fofoca já estava rodando pelos sacolões, mercados e farmácias das redondezas.
em nenhum momento o meu pai se responsabilizou pelos rumos da fofoca porque além de gostar muito de qualquer tipo de rebuliço, meu pai também é um notável entusiasta da covardia. um dos seus lemas é que soldado que foge serve para outra guerra. então, o meu pai ao invés de enfrentar as consequências da incapacidade de controlar a própria língua, quando acareado pelo fiscal sobre como uma informação dessas vazou da nossa pacata rua pro resto do bairro, sendo ele a única testemunha possível, o meu pai se armou do mais absoluto despudor ao afimar que não sabia de nada, e além de negar tudo, ainda colocou toda a culpa em um desafeto pessoal na maior cara de pau possível.
o caso durou menos essa onda de dengue e aparentemente o fiscal (que é um cara muito massa e muito bonito) foi para a outra regional. espero que tenha sido infinito enquanto durou e que tenha valido a pena, porque a tia mais fofoqueira da rua (e inimiga da mãe do divorciado) em geral gosta de repassar essa história sempre possível. o divorciado jamais olhou na cara do meu pai novamente, que surpreendentemente saiu dessa sem nenhum arranhão (sou filha dele, mas tenho a TOTAL consciência que ele merecia).