NOTAS DE UMA ONTOLOGIA DO PRESENTE #2
(ou: comentando assuntos menos importantes do momento)
gostaria de compartilhar uma opinião que talvez seja séria só pra mim: o tempo — e, consequentemente, a realidade — deixou de fazer sentido há tempo, mas sinto que a cada dia tudo piora. por favor, não me venha com explicações: ninguém vai me convencer racionalmente de que 2019 foi há seis anos. existe toda uma literatura artigos, teses e análises sociológicas tentando explicar essa distorção na percepção temporal que desorganizou a noção coletiva de realidade, mas hoje decidi parar de lutar contra esse fluxo temporal totalmente corrompido. aceito minha total insignificância diante dele com a resignação de quem já perdeu a guerra e agora só resta analisar o caos… que basicamente significa despejar uma série de abobrinhas na internet.
o bolaño (o escritor chileno-mexicano, não o ator/comediante/roteirista mexicano-mexicano) tem uma frase manjadíssima, mas irresistível: hay momentos para recitar poesías y hay momentos para boxear. ainda que ideologicamente (eu sei, não parece) eu não concorde com a piração do pessimismo e niilismo imposto pelo nosso horrível sistema social e econômico, ao menos hoje me recurso a aceitar essa passagem de tempo totalmente insana com a mesma veemência da birra que apenas uma criança que foi criada comendo sucrilhos no café da manhã pode nos oferecer.
às vezes penso que queria apenas euforia de um servo feudal visitando uma feira medieval, achando o auge da existência assistir a uma corrida de barris, ouvir trovadores narrando sobre a colheita daquele ano, ver teatro de fantoches, me deliciar com queijos com fungos estranhos, fatiar algum pão de cevada à machadadas — porque esse pão provavelmente tinha a densidade de uma galena — e morrer gloriosamente por conta de alguma infecção pela completa falta de noção de higiene corporal básica aos 21 anos. há momentos em que quero apenas apreciar o som melancólico dos violinos desse torpe momento do capitalismo tardio, do nosso país, do mundo pop e me reconhecer nele sem culpa de não poder fazer nada melhor do que isso.
e é isso que você vai encontrar nessa edição: opiniões supérfluas com intensidade desnecessária, rants e recomendações musicais de absolutamente ninguém pediu e se pedissem, possivelmente se arrependeriam. um dia, quem sabe, vamos passar por tudo isso com o mínimo de dignidade. mas esse dia não é hoje, e como diria o querido david lynch (que jesus o tenha num lugar muito privilegiado do cosmos).
acompanhando neymar de volta às terras brasileiras pra vê-lo exercer o seu verdadeiro talento: ser uma grande subcelebridade
odeio fanáticos de futebol que se ressentem sobre os rumos da carreira do neymar. primeiro, porque vivem numa ilusão muito primária do que poderia ter sido o neymar na história do futebol, ao mesmo tempo que menosprezam a própria figura dele. poxa, ele fez um bocado de coisa, possui habilidades únicas, estilo e legado que sempre vão influenciar muitas gerações (para o bem e para o mal). é um jogador geracional, os edits dele adolescente jogando no santos com música do michel teló atravessaram fronteiras e culturas. não há necessidade de chorar que ele foi um talento desperdiçado.
existe uma enorme frustação que ele não conquistou a copa do mundo ou não ter ganho prêmios individuais de rendimento, mas sinceramente, é uma grande surpresa? especialmente depois muito precocemente na carreira ter ido encher o rabo de petrodólares por não aceitar não ser o máximo protagonista em um jogo que é coletivo? ele queria ser o herói futebolístico de alguma instituição por pura e simples vaidade. e tudo bem, existe um punhado de gente sem 25% do talento que ele tem que já fez coisas muito piores. o que me incomoda muito é que as pessoas não apreciem o neymar pelo que ele realmente é: uma grande subcelebridade.
são muitos elementos da vida do neymar que me encantam. apesar de uma trajetória totalmente gloriosa, cumprindo os sonhos de qualquer moleque que joga futebol pra sair da pobreza, virar um ídolo apenas pelo jeito que ele joga a pelota, ter percorrido continentes com o seu talento, ele é, no fim das contas, um ser absolutamente sorrateiro, vazio e totalmente ordinário. não chega a nem ser um anti-herói. não há complexidade pra isso. num mundo que temos figuras como o dr. bilardo, uma raposa ardilosa do futebol, mas que ainda sim falava aos seus jogadores que jogassem pela glória, não pelo dinheiro, neymar é um buraco negro de carisma. tudo que se aproxima dele é engolido e ressignificado como entretenimento descartável. não há alma, ou como dizem os jovens, aura. talvez o que mais o neymar tenha se dedicado na vida de forma legítima é contratar prostitutas pelo instagram, fazer bacanais como se fosse um imperador romano pervertido, deixar uma enorme pegada de carbono na atmosfera, bancar uma trupe de lambe-botas pra sempre estar certo (os gloriosos parças do neymar), sempre se cercar das mais abjetas figuras políticas e, claro, não pagar impostos.
quando vi que ele tinha voltado para o país eu fiquei feliz, porque ele na verdade está se preparando pra viver o que ele sempre quis, dessa sem vez sem pressão parental de ser a fonte de renda da família através de contratos ridiculamente ostentosos pra jogar futebol: um personagem da mídia que existe pra esbanjar uma padrão de vida inacessível pra 99% da humanidade. a única função social que o neymar cumpre é ser um arquétipo aspiracional de uma sociedade materialista, imediatista, vaidosa, emocionalmente analfabeta e moralmente falida. ele é um trunfo do capitalismo, um produto perfeito que infelizmente atormentará as páginas de fofoca no instagram. ele não inspira, no máximo nos diverte o nos causa asco, como toda subcelebridade que se preze.
e, estranhamente, ele se tornou tudo o que o futebol contemporâneo quer de um ídolo: performático e esvaziado de qualquer relevância e grandeza pessoal. enquanto alguns fãs se esforçam pra que ele pareça uma figura muito profunda, ele sequer tentou ser mais do que é. neymar é o retrato ideal pra um esporte numa etapa ultra-financeirizada e especulativa do futebol: um profeta involuntário do colapso simbólico do esporte como símbolo de coletividade e comunidade. ele é um produto, talvez com muita capacidade de nos entreter (mais fora do que dentro dos gramados). e só.
pistache: mais uma vitima do elitismo jeca da nossa classe média
estão achincalhando gratuitamente uma das grandes iguarias do nosso mundo: o pistache. percebo um enorme descontentamento de muita gente em perceber que o pistache caiu no gosto popular. é mais velho que a serra que as tendências quando caem no gosto popular e se banalizam e deixam de ser uma forma de distinção social. a minha opinião é que, primeiramente, pra quem acha que o pistache perdeu todo o encanto: vocês não merecem a glória gastronômica do que o pistache é. segundo: apareceu uma reportagem da bbc e o motivo da entrada do pistache massiva no último ano não é uma súbita comoção em torno dessa nobre oleaginosa, mas uma a necessidade de venderem pistache pro nosso mercado nacional. e olha, está tudo bem. a indústria alimentícia em geral comete crimes maiores diariamente, por que caralhos vamos nos ofender com o pistache? há uns cinquenta anos atrás a nestlé enfiou leite condensado em todas as sobremesas possíveis depois de falhar na missão de fazer com que o leite condensado fosse apenas o substituto pra amamentação materna (!!!). e as pessoas nos dias de hoje realmente querem fazer uma cruzada contra o pistache? não contem comigo.
eu quero mais pistache no mercado, apesar de não ser necessariamente um produto “ideal”, no sentido de dependência externa, se é que vocês me entendem. sinto que temos iguarias nacionais que são muito mais importantes. exemplo: o cupuaçu. eu queria poder tomar uns cinco baldes de creme de cupuaçu por dia, mas infelizmente é difícil achar a fruta fora da região norte.
outro aspecto muito importante do pistache é que ele vem pra tirar a soberania do leite ninho e da nutella da confeitaria popular. pessoalmente não tenho nada contra leite em pó ou nutella, mas é inegável que existe um excesso desses dois ingredientes, o pistache é o ideal para essa substituição? claro que não, mas ainda cumpre um papel de expandir o paladar de uma nação que ousou criar a coxinha de leite ninho recheado com nutella.
john textor? inimigo número um da nação
sou uma grande entusiasta do anti-imperialismo for kids, que consiste basicamente em qualquer oportunidade possível, analisar de forma muito rasteira qualquer fenômeno e falar: tá vendo? com toda certeza é um plano da CIA.
talvez eu esteja errada? talvez sim, mas a realidade é que não importa. nós só vamos ficar sabendo se isso é verdade ou não depois de algum vazamento de dados sigiloso daqui uns cinquenta anos. e espero que até lá eu esteja enterrada a sete palmos do chão sendo uma fonte de necrochorume, poluindo o subsolo, as coisas simples da morte.
mas é difícil acreditar que john textor seja inocente. ou que a CIA não esteja por trás de mais um plano maquiavélico e nefasto no nosso continente. inclusive, a deutsche welle trouxe esses dias um vídeo interessante sobre o papel da CIA e ascensão do neopentescoalismo na nossa região a partir dos anos 1970 (pra tentar dar uma segurada nas tendências mais progressistas da igreja católica e na hegemonia do catolocismo em geral). e sabendo alguns pastores já chutaram imagens da nossa senhora aparecida na tevê, terreiros sendo destruídos por pessoas ligadas a essas esferas religiosas, fica muito difícil se surpreender com essa notícia.
mas voltando ao textor, a minha desconfiança não só pelo rastro de corrupção nos negócios em outras partes do mundo, mas por aquele choro já emblemático na beira do campo em 2023 (basicamente, um rant contra o futebol nacional) e os vários embates públicos com a leila ferreira (que no caso, seria um dos seus grandes alvos, a burguesia nacional que detém poder político e financeiro no cenário administrativo do futebol nacional). ele tem a confiança que supera a típica confiança do gringo imperialista querendo fazer dinheiro por nossas latitudes. ele tem a confiança e a impunidade que apenas um agente da CIA é capaz de emanar.
e devo dizer estou muito decepcionada com a máfia local e regional de dirigentes futebol. até agora eles não foram capazes destruir a alegria e a paz desse homem, nem que tenha sido com uma roubalheira na cara dura, um tapetão, sei lá. honestamente? já não temos dirigentes com criatividade heterodoxa como antes. tivemos dirigentes que manobraram pra não serem rebaixados, sabe? faziam (e fazem) negócios escusos a torno e direita e ainda não armaram um complô pra fazer esse cara querer desaparecer daqui (desculpem torcedores do botafogo, fico feliz com a alegria genuína de vocês.... mas me compadeço por ser torcedora de um clube que virou uma SAF e a real é que vocês sabem que nem o botafogo nem o cruzeiro, ou qualquer clube que virou SAF, são mais agremiações esportivas legítima. não que antes fossem grandes centros de coletivismo, mas ainda havia brechas. hoje? nem isso, irmãos.)
mas além da batalha da dimensão administrativa (a pagação de pau infinita pra essa merda de modelo de futebol que a SAF é), o que me irrita de verdade é uma nação como a nossa, cuja identidade nacional é totalmente ligada ao futebol, se curvando de uma forma tão submissa a um sujeitinho que é a personificação dolorosamente explícita de um ethos patriótico usamericano.
um gringo querendo ensinar como o futebol deve ser? faça-me o favor.
pra começo de conversa, imagina achar que um estadounidense é capaz de experenciar uma paixão popular, ingrata e visceral como o futebol... um povo patologicamente movido pelo sabor da vitória a qualquer custo, gente que não sabe perder, que não tem história. vocês acham que eles são capazes de manter uma paixão se o time deles fosse rebaixado? eles jamais terão a sensibilidade pra viver com os sacrifícios e as glórias que o futebol demanda, nem com todo o lobby pra fifa, nem com metade da população americana se tornando “latina”. essa gente deveria se contentar com aquela aberração que chamam de football e deixar o jogo bonito em paz. como disse, com toda a razão, o comandante certa vez: que se vayan al carajo, yankees de mierda, acá hay un pueblo digno!!!!!!!!!!!
thank you, six sex ! (pelo lançamento do ano: o ep x-sex, 2025)
no meio de tantas incertezas existenciais, o caos do cotidiano, a melancolia da passagem do tempo, gostaria de falar que o meu primeiro sorriso sincero do ano (ao menos ao ouvir um álbum musical) foi graças à querida cantora six sex, um presente do underground argentino para o mundo. há um tempo francisca cuello vem usando a maravilhosa persona six sex para divertir as nossas pobres almas corroídas pelas angústias, não apenas criando um gênero urbano todinho dela, o neoperreo, mas refinando o seu som a partir da influência da música eletrônica.
ela nem precisava se esforçar, mas ela está fazendo por nós. obrigada por tanto, six sex, e perdão por tão pouco.
escutar o ep x-sex nos leva a uma autêntica experiencia nos inferninhos mais insalubres de buenos aires, onde mulheres e gays podem se divertir sem lidar com a toxidade e inconveniência da maioria de homens héteros. viver a euforia de um ambiente dominado por poppers e a questionável mistura colombiana muito popular em territórios hispano-americanos: o tussi (uma das substancias que contribuíram para que o liam payne a pulasse de forma inconsequente do balcão do hotel que ele estava hospedado). a música da six sex (assim como a sua personagem) não são pra todos, tenho a plena consciência disso. e não quero obrigar a ninguém a amar a six sex, mas ela como artista está em outro patamar na música urbana há tempos, e sinto que no pós motomami (2022) e o brat (2024), talvez o mundo esteja não necessariamente pronto, mas talvez um pouco mais apto a apreciar a arte de six sex.
o brat não foi apenas um reset cultural ano passado, mas foi um autêntico momento de diversão que há muito tempo não vivíamos na cultura pop. um grito contra a caretice de um pop autorreferente e totalmente envolto numa metanarrativa cada vez mais sufocante. foi isso que charli xcx fez de forma tão excepcional que cativou não apenas seu público, mas vários outros nichos de consumo musical. sem contar que a versão deluxe levou a gostosa farofa do brat para um som mas experimental pra agradar a todos: pra quem consome a mais superficial música mainstream até os mais arrogantes leitores de resenhas da pitchfork.
o melhor do x-sex é que, primeiramente, é uma criptonita de gente básica, gente sem senso de humor e homens héteros. além das suas intenções claramente pedagógicas (como podemos perceber em how to make your ass bigger) é um tipo de música ridiculamente engraçada porque é como seria se a sue do filme a substância (2024) tivesse a oportunidade de fazer uma carreira na indústria fonográfica. é absurdo, grotesco, asqueroso.... e hilário. são apenas seis músicas, mas que se diferenciam dos trabalhos anteriores porque que se afastam de uma six sex reggaetonera (que amamos e sempre amaremos, btw) e utilizam várias influências da club music, o eurotrance dos anos 2000 e a kylie minogue. todos maravilhosamente integradas às temáticas que a six sex usa há tempos no seu neoperreo: muita putaria, mas cheio de humor e visuais incríveis. isso, minha gente, usando um orçamento de duas empanadas e um alfajor jorgito. você olha pra “artistas” barangas da nossa indústria nacional, como a luísa sonza e anitta (jamais vou perder a oportunidade de mandar um hatezinho pra essas duas) usando orçamentos bélicos de israel pra fazer videoclipes patéticos, música horrenda, promovendo um erotismo que tem mais a ver com algo de turismo sexual que a embratur fazia do nosso país nos anos 80 do que, necessariamente, um efetivo uso do erotismo como forma de emancipação e provocação. honestamente, sinto muito por quem não é capaz de apreciar a genialidade da senhora six sex e espero que deus perdoem a todos por tal defeito moral e estético.
vivendo o esgotamento do zé povismo cultural
de todas as manifestações culturais online que tentam simular algum tipo de singularidade, identidade e autenticidade ao cotidiano de muitos, talvez a que mais me irrite seja o zé povismo cultural. e como acho que estamos no seu ápice, que talvez signifique, felizmente e finalmente, que estejamos próximos da sua saturação e decadência. o zé povismo cultural é um fenômeno curioso: gente de classe média supostamente ilustrada (universitária, artística, profissionais liberais dos nossos grandes centros urbanos do setor criativo) se esforçando pra se colocar como portadora de uma espécie de dandismo reverso, onde o objetivo é parecer sumariamente fuleiro. há algo também ligado a uma suposta identidade nacional, um jeito de performar brasilidade (que espero ter a oportunidade de fazer um longo, inútil e muito ofensivo texto no futuro). é um desfile de referências ao populacho, à vulgaridade, ao perrengue e improviso de classes baixas, que são historicamente rejeitados pela classe média e que agora são cuidadosamente coreografada pra gerar uma espécie de identificação popular. é uma gente que não teria coragem de comer um ovo rosa esquecido há três dias no balcão de um lugar que ninguém sabe como conseguiram e mantém o alvará sanitário da prefeitura, que não tem um amigo ou o mínimo de respeito por alguém que exerce subemprego no sacrifício e humilhação que é manter uma merda de emprego precarizado nessa porra de país, mas posam como se fossem sujeitos que fazem parte do mais popular que existe.
talvez o zé povismo cultural seja uma resposta estética ao esgotamento de qualquer aspiração de setores jovens adultos da classe média a aceder a estabilidade e prosperidade econômica propriamente dita. talvez seja um reflexo também de tentar diferenciar dos pobres barangos, mas muito mais autênticos, que querem simular uma vida de prosperidade. essa sempre aspiracional classe média completamente ralé que tenta performar riqueza — que nos desperta uma compaixão melancólica por sua ingenuidade em relação à noção de capital social — que se rendeu completamente às micro trends do tiktok. por mais cafona que seja, eu ainda acho que eles são melhores do que os zé povistas culturais: existe ali um desejo sincero, ainda que absurdamente ridículo, de parecer parte de um mundo que nunca foi acessível. e justamente por isso, essa tentativa é tão crua, tão transparente, que chega a ser comovente. é um teatro social meio descompassado, onde a vontade de ascender é mais forte que o domínio dos códigos da elite que se quer imitar.
por sua vez o zé povista cultural trafega numa zona mais obscura, ambígua, complexa, mas que, pessoalmente, acho mil vezes mais nocivo. resta pra essa classe média supostamente iluminada apenas apelar ao verniz da simplicidade: performar precariedade como estilo, flertar com a estética da pobreza, gente fazendo efeito de parede mofada, ainda um vocabulário e imaginário do horroroso temercore (litrão, boletos, etc). é uma gente que se equilibra em fingir que adora cachaça no copo de plástico e espelho vagabundo de moldura de plástico laranja enquanto pagam por drinks ridiculamente superfaturados em espaços gentrificados na sua busca desenfreada para poder demonstrar o mínimo de autenticidade porque eles são completamente ocos de sentido, trajetória e aspirações. como dizem os incels e adjacências (na que talvez seja a única contribuição linguística desses dementes) não sobra nada pros betinhas (da classe média, nesse caso).
sendo alguém que vem (e infelizmente continuo sendo) da classe média baixa, me sinto pessoalmente ofendida por todo esse teatro. especialmente porque são pessoas de círculos que supostamente que “produzem cultura”, porque boto nessa roda aí o pessoal de círculos de crítica cultural, jornalismo, literatura, música. o que resta à essa classe média é encenar com cinismo e um enorme grau de idiotice uma versão idílica da pobreza, da simplicidade pra poder ignorar o seu completo vazio, alienação e distanciamento com o que realmente é popular ou minimamente autêntico.
e pra mim esse tipo de ironia é um desaforo. o zé povismo cultural não nasce da vivência legítima popular, mas de um tédio elitista que romantiza a pobreza alheia enquanto segue pagando aluguel de três mil num apartamento minúsculo com parede de cimento queimado e taco de madeira (vocês têm recursos materiais e noções estéticas pra fazer melhor do que isso, sabe). é um fenômeno cruel justamente porque disfarça o privilégio de escolha com um ar de despretensão. a classe média do zé povismo cultural transformou a precariedade em linguagem visual, mas que não aguentariam viver em experiência concreta. e isso, para além de cafona, é absurdamente covarde.