XINGANDO MUITO: CRÍTICAS CULTURAIS NÃO CONSTRUTIVAS #2
(ou: o anittismo cultural e luísa sonza)
*
“não vou perdoar, vou xingar muito no twitter hoje. é sério”
ele não sabia, mas estava fazendo história. proferida por um pirralho paulistano desiludido com a desorganização de um show da banda restart — vivíamos o auge de um emo rock policromático — “vou xingar muito no twitter“ é parte fundamental da internet brasileira. e mais do que isso, a perfeita síntese tudo que possibilitou a internet 2.0. do fim dos anos 2000 e início da década de 2010 tomar conta dos nossos corações, mentes e espíritos: usar as redes sociais como um espaço pra fazer qualquer tipo de desabafo pessoal ou simplesmente usar o nosso precioso tempo pra falar (mal) dos outros. todas as aflições, pensamentos e angústias para um público fragmentado e impessoal sem nenhum medo de esbarrar em um tio bolsonarista ou um recrutador de alguma empresa.
o presente texto (um longo e inútil copilado de reclamações sobre alguns tópicos musicais que tiraram a minha completa paz de espírito) presta uma homenagem a essa era quase neolítica das redes sociais que tantas alegrias nos trouxe. um festival de irresponsabilidade, opiniões infundadas e um grande número personalidades sendo insultadas gratuitamente com o único objetivo de compartilhar inquietudes que não servem para absolutamente nada.
*
chá de revelação de chifre na tevê aberta: iconic behaviour? i don’t think so
em meio a uma onda de calor do caralho, o desespero de notar que deve faltar três semanas para o natal/ano novo e o meu nome que continua firme e forte no serasa, a tevê aberta nos decidiu brindar um momento carregado da mais alta vergonha alheia e baranguice que eu simplesmente não consigo superar. a luisa sonza com a voz embargada de emoção lendo uma carta piegas na mesa de café da ana maria braga em plena quarta-feira. o motivo? duas galhas bem dadas pelo então namorado a webcelebridade, chico moedas.
foi tudo muito constrangedor (e pra gente com péssimo gosto que nem eu, uma satisfação) e fiquei pensando com meus botões: qual a necessidade de se prestar a um papel patético em rede nacional, sabe? uma coisa absurda vindo das mulheres mais bem sucedidas do cenário mainstream da nossa música.
ao inaugurar uma cerimônia de revelação de chifre (a traição foi em um banheiro de um bar, parecendo até uma canção do baco exu do blues) deu pra perceber que além de vingança pessoal de uma corna e a humilhação pública de um esquerdomacho, existe um contexto muito maior no que diz respeito à própria carreira da luisa sonza: esse mico em rede nacional é a vitória de um projeto que é o anittismo cultural, que é nada mais nada menos que um estágio de completa subcelebrização da própria imagem, mesmo que você seja alguém que tem prestígio e estima do público, da mídia e do mercado em que você está inserido.
anittismo: o projeto hegemônico do pop BR
a fundadora e padroeira do anittismo cultural obviamente é a anitta, uma grande inimiga do descanso de imagem e uma luxuosa vítima da cultura da atenção. ela é uma pessoa muito famosa, possivelmente ainda deve ser a brasileira com o maior número de seguidores no instagram, além de ser um dos rostos das grandes campanhas publicitárias do país. e apesar de toda essa notoriedade, em algum dia aleatório ela pode aparecer por aí pagando um boquete cenográfico pra gerar buzz para a possível pior música que você vai ter a infelicidade de escutar.
apesar de ter uma carreira musical extensa, a anitta sempre promoveu com gosto as polêmicas e os pr stunts, que foram tão bem sucedidos que eventualmente eclipsaram a própria produção musical e se tornaram o grande paradigma de sucesso no mainstream brasileiro, não apenas como cantora, mas como uma figura pública.
todxs querem ser a anitta, todxs querem o dinheiro, prestígio e a onipresença na cultura da anitta possuiu. ela saiu de onde judas perdeu as botas e se tornou a maior personalidade do país a partir do legítimo esforço e dedicação. sabe? é um conto de fadas liberal, porque não envolve um herdeiro medíocre e de merda pra falar que o capitalismo é incrível, que a gente realmente pode mudar a nossa vida. é um enorme feito, especialmente em um país a rede globo tenta dar uma carreira há décadas pro fiuk mesmo sendo uma pessoa absurdamente medíocre, apenas por ser filho do fábio júnior.
além disso, a anitta é uma figura que se destacou não apenas nas mídias tradicionais, mas sim uma figura pública forjada na internet: toda sua carreira decola e está ligada à emergência e consolidação da era das mídias sociais do consumo de música em plataformas de streaming e dos videoclipes no youtube.
ela é a mais contemporânea das artistas no nosso país; ela é o paradigma do sucesso do artista do século xxi.
o anittismo cultural: aspectos ontológicos
apesar de todo o sucesso, um aspecto essencial do anittismo cultural é a incapacidade de conceber limites. é uma forma de viver totalmente alinhado ao corporativismo do capitalismo tardio, baseada em auto-ajuda, falta de bom senso e propensão ao ridículo. é como se a fama, a atenção do público fosse a única coisa que importasse e qualquer meio para conquistá-las fossem legítimos. não importa se você se comporta como o mais desesperado participante de um reality show da record; o anittismo valoriza os métodos mais heterodoxo possíveis para poder se manter na mídia e ser o centro das atenções.
por isso, um dos traços mais marcantes do anittismo é a busca incessante da fama pela própria fama. a própria anitta, que supostamente se tornou famosa por ser uma cantora, há vários anos é incapaz de lançar um álbum que não seja uma playlist criada por um algoritmo com as tendências do momento sem se importar uma caralho com opinião do crítico. ela não está aqui pelo reconhecimento público enquanto uma artista, mas sim pela atenção.
o importante é aparecer e estar na boca do povo… e não apenas no brasil, mas no mundo.
o que não tem problema nenhum, já que de 2013 a 2017, anitta renovou a indústria do pop nacional através de uma simpática mistura de pop e do funk melody. ela foi fundamental por fazer um comeback da figura da pop star nacional, ao trazer para o país a sofisticação e inovações de projetos visuais e cenográficos que a gente só via os gringos fazendo. apesar de musicalmente ser tudo bem mais ou menos, nós nos divertíamos e era algo interessante de acompanhar. e mais do que tudo: nos torcíamos por ela.
além disso, ela teve uma excelente sacada de perceber que o som que ela fazia, um pop-funk, se assemelhava bastante a um ritmo urbano que estava se renovando na américa latina e na comunidade hispânica em geral: o reggaeton. ao aproximar esses mercados, mesmo que involuntariamente (e de um jeito bastante neoliberal e personalista) foi uma contribuição pra ajudar a curar as veias abertas da américa-latina, especialmente em um contexto em que o brasileiro mal se reconhece como latino-americano e ainda acha que o soda stereo fez um cover do capital incial quando escuta de musica ligera em buenos aires.
acho que ela foi muito feliz no início dessa jornada, mas depois ela simplesmente perdeu a mão. utilizando cada vez mais um caricato sotaque porto-riquenho, insistindo num estereótipo bananeiro inaugurado pela carmem miranda e pela CIA e valendo-se da sua ambiguidade racial fora de terras canarinhas pra tentar se enturmar com a comunidade negra e latina de uma forma muito forçada. e o pior de tudo, é que ficou ridiculamente exposto a completa mediocridade musical; apesar de que ninguém possa negar o excelente trabalho de networking.
a anitta é um fenômeno: ela não produz nada de bom há vários bons anos, não sabe fazer álbuns, os singles são horrorosos, e até o forte artístico que era a aura de entertainer, as coreografias e a presença de palco, simplesmente desapareceram (além de continuar sendo uma cantora bastante mediana).
mas não faltam números significativos, recordes, colaborações com zilhões de artistas de múltiplas nacionalidades, aparições em paradas musicais, talk shows, além da presença constante em eventos muito chiques e super exclusivos. mas nada disso é um problema em si, uma vez que para o anittismo cultural, não importa o quão pouco se tem pra oferecer artisticamente; o importante é se fazer notar.
de todas essas coisas, o mais decepcionante nessa jornada da carreira internacional nem é incapacidade artística e musical, mas impossibilidade de exalar carisma e levar pra esses gringos comedores de oreo frito, o humor, malemolência, tiração da onda, a subversão da moralidade que é a alma de um funk carioca, em especial, do legado das mulheres do funk no país, que é imenso.
e se aqui no brasil a anitta é o símbolo de uma mulher independente e empreendedora, uma inspiração de ascensão social, desde que decidiu conquistar o mercado estadunidense/hispânico/europeu, ela aposta em todos os estereótipos sexuais que a mulher brasileira carrega que dariam orgulho pro marketing da embratur nos anos 1980 e agentes ligados à exploração sexual de mulheres e adolescentes do país. não há um videoclipe, uma simples entrevista, uma participação especial em alguma canção que ela não assuma a personalidade da dona estela, uma das personagens mais estereotipadas do monumento literário naturalista do aluísio azevedo: “o cortiço”. ela quer chamar a atenção querendo promover a agenda do feminismo liberal de empoderamento, mas cai nesse buraco que mataria de orgulho o algum racista século xix reforçando o discurso de como foi corrompida pela periferia já que seu único traço de personalidade seja ser a maior transuda do pedaço.
sem contar na insistência em temas relacionados à escatologia em qualquer entrevista, mas em especial às internacionais. porra, a mulher cheirou um cu de um gringo em uma entrevista. eu sei que tem gente que realmente isso acha o pináculo do humor, mas né, tem que fingir muito que isso não seja minimamente perturbador.
mas o que mais me pega em relação à anitta e a construção da marca dela, é que a querida simplesmente decidiu ser a maior porta-voz da cultura das favelas no exterior. sendo que ela sequer saiu de lá (a anitta sabidamente é alguém que saiu do subúrbio carioca). risos.
meio que até entendo que a imagética do subúrbio não é tão exótica e passível de consumo para os gringos como da favela, mas se ela ainda fizesse uma leitura interessante, até justificaria todo esse circo que ela cismou de fazer. mas quando você se depara com grandes obras como funk rave, used to be penso bastante que talvez não seja tão legal fazer da cultura e da realidade de milhões de brasileiros, uma plataforma pra sustentar sua falida identidade artística, sabre? especialmente quando se faz uma leitura cultural extremamente grotesca dos cidadãos do seu próprio país.
pra não ser 100% hater, queria dizer aqui que a anitta tem hits históricos, mas que a melhor coisa que ela idealizou nos últimos anos foi a GT da skol beats. mas se fosse só isso, ela fazendo música horrível, passando vergonha na internet, ninguém ligaria. no entanto, enquanto tem artista como a pabllo vittar que abriu portas pro público conhecer realmente interessante e talentosa, como urias, glória groove e outras outras artistas lgbtq+ no nosso país, a anitta merece uma condenação pública por empoderar uma das artistas mais xexelentas do país: a luisa sonza.
luisa sonza: a maior herdeira do anittismo cultural
a luisa surgiu na internet fazendo versões acústicas de canções de vários artistas e muito prontamente se tornou uma das poucas cantoras pop do país a conseguir ser um fenômeno nas plataformas de streaming geralmente dominado pelo sertanejo universitário. além de ter saído de um contexto economicamente privilegiado, luisa domina a arte de ser uma celebridade. ela usa de forma irrestrita a própria vida e as crises de imagem pra gerar engajamento pra sua produção musical, como vimos ao fazer a ana maria braga chorar numa quarta-feira ao lado de uma cuca gigante.
para poder alcançar o sucesso, luisa teve de assumir numa sonoridade de pop-funk e um completo rebranding da própria aparência, na clássica good girl gone bad do mundo pop estadunidense. foi muita objetificação, muito feminismo de agência de publicidade, muita cartilagem do joelho sendo gasta, um vocabulário musical recheado de raba, senta, quica, muito fio dental enfiado na bunda para poder se estabelecer como uma das maiores hitmakers do país. além de um enorme esforço em possuir um catálogo musical marcado pelo ecletismo, ao fazer acenos a artistas de diferente gêneros como o sertanejo e da nossa cena ~urbana~, a turma do trap e do rap. o famoso atirar pra tudo que é lado.
o problema da luisa sonza é que ela realmente tem uma vocação pra ser eclética, especialmente por ser uma artista muito genérica dessas que poderiam ter sido moldadas por um reality show musical. a luisa sonza tem essa coisa do artista hiper-manufaturada que passou por processos de pasteurização tão intensos que no final do dia, ela não carrega uma mísera idiossincrasia na sua persona pública e no seu conteúdo artístico, apesar de sempre estar explorando de forma brutal as tendências do momento.
se a anitta insiste nessa coisa de se achar o buscapé da cidade de deus pra gringo ver, a gente ainda releva, porque, né, honório gurgel ainda é um espaço periférico e ela definitivamente saiu de uma cena do funk (ainda que num momento em que funk que ela produzia já havia sido assimilado pela classe média, mas é inegável perceber como o status de popstar levou o gênero a ser aceito em alguns outros circuitos, como os grandes festivais). por isso me irrita demais essa coisa da luisa sonza explorar a cena periférica com tamanha naturalidade, pra não falar cara de pau, intercalando a personalidade de uma rolezeira que ia ao ibirapuera depois de pegar umas três baldeações no metrô ou uma carioca que vai pro baile com os crias, sendo que a única coisa minimamente autêntica da personalidade é possivelmente ter sido o prodígio da festa do sagu com vinho de alguma comunidade de colonos.
no ano passado, ela só não se apresentou pra participar de festival de rap por consequências de uma situação jurídica e basicamente ela foi desescalada (?) por protestos do público e outros artistas, mas dá pra perceber que até essa grande “crise de imagem pública” (prestar contas à justiça) ela vinha apostando fortemente nessa coisa de tentar extrair o que fosse possível na cultura periférica, especialmente na cena underground do trap, rap, r&b paulistana, tal qual uma empresa da coca-cola secando os aquíferos aqui na américa do sul.
é óbvio que não espero que pra ser artista, a luisa sonza saia por aí andando de bombacha, cantando música nativista, falando sobre a melancolia dos pampas ou do frio da serra gaúcha, vivenciando a breguice da estética do veraneio rio-sul-grandense da classe média alta (que acho que foi a primeira pegada dela na indústria, inclusive) mas ela certamente tira vantagem do enorme conforto em poder transitar entre os gêneros, algo que alguns artistas racializados ou que são parte da comunidade lgbtqia+ ainda não possuem.
depois das repercussões dessa ação judicial e após um momento de descanso de imagem, luisa lançou escândalo íntimo (2023), um álbum que é uma super-produção, um super-investimento, feita por uma super-equipe, mas que não sustenta de forma significativa. gravado em los angeles, é um prensadão de referências rasas e muito literais do pop contemporâneo e de figurões da mpb, que tem a pretensão dar um pouco de personalidade artística pra alguém que até então se mostrou no máximo uma animadora de palco. não é ruim, porque com o investimento que ela recebeu e com os produtores que trabalharam o projeto, é impossível ser ruim; é apenas absurdamente vazio de significado e uma tentativa de concretizar a famigerada limpeza de imagem™
mas o mais chato da persona pública da luisa sonza é ela realmente insistir essa coisa de querer provar algo para os haters, sabe? que ela é uma grande artista, que escreve as músicas, que ela idealizou a estética, que ela isso, que ela aquilo. me desculpa tá, mas não adianta fazer isso quando suposta a música mais pessoal do álbum deve ter uns sete autores. sem contar toda a estratégia de apostar em uma estética visual nessa coisa campestre de filme de terror da a24 (do qual ela é a mocinha) mesmo que não tendo a mínima ligação com nenhuma nenhuma temática das letras. (a única motivação que eu consigo imaginar foi se afastar do visual anterior carregado de influência dos gêneros urbanos brasileiros).
em geral não acho que ela seja isenta de talento, ela realmente poderia ser uma grande intérprete e compositora, mas é muita mídia e pouquíssimo futebol, e olha que isso nem é tão difícil, especialmente num mercado fonográfico dominado por música de qualidade duvidosa financiada por latifundiário entediado e chifrudo, sendo que ela assinou com uma das maiores gravadoras do mercado fonográfico.
o pós-anittismo cultural
acompanhando de longe a repercussão dos números estratosféricos nas plataformas de streaming, o impacto da leitura da carta de baranga em plena rede globo, dá pra saber que a senhora luisa sonza tem todo o potencial de superar a anitta, não somente nos charts, mas transcender o anittismo cultural ao criar um horrível legado midiático apenas dela!!!
a gente gosta de zoar demais a anitta e tudo de ruim que ela já fez musicalmente (que é quase tudo desde 2017), mas não dá pra negar que ela não impactou o mundo pop brasileiro e jamais recebeu um processo por atitudes…questionáveis (viva a responsabilidade jurídica, pelo menos da minha parte).
a luisa sonza, por sua vez, ainda é muito jovem, e portanto ainda tem alguma quilometragem no etarista mundo do entretenimento, atrelado a um enorme interesse de um país inteiro na sua vida pessoal, intensamente instrumentalizado por ela mesma — que muito prontamente será ainda mais escancarado em um documentário da netflix e numa carreira que está muito próxima de se internacionalizar.
bom, vamos ver o que ela vai inventar… mesmo sabendo que vai ser péssimo, espero que pelo menos ela nos presenteie com mais momentos de constrangimento bobo como foi ver a ana maria braga chorando em rede nacional numa mesa de café da manhã. já que é escandalosamente menos pior que sair por aí achando que gente negra em festa chique deve estar lá pra servi-la e ficar pagando de sonsa na internet, sendo incapaz de se desculpar de uma forma decente.
a única certeza? o uso indiscriminado da muleta do feminismo de 2014 pra poder justificar qualquer tipo de mediocridade artística sem contar a atuação impecável em ser uma das maiores cidadãs da pasárgada dos tontos: a coitadolândia.